quarta-feira, 22 de abril de 2009

SAO PAULO - EU TE AMOOOOOOOOO, OU O DEMONIO DO ESCRÚPULO

Andando pelo centro da cidade encontrei com esse figura no calçadao. Acho que é isso que faz eu me apaixonar cada vez mais por essa cidade. Sampa esta em clima de despedida, em partes minha vinda aqui nao foi muito boa, algumas decepçoes, mas tudo bem, como dizem... faz parte!
Achewi um trecho de um livro que diz um pouco o sentimento que senti nesses tres dias que passei na cidade antes de partier pro carnaval, segue apos vídeo.
E TUDO VAI DAR CERTO!!!!!!!!!!




Nao é raro que pessoas, ao falarem de si mesmas, proclamem como a sua principal virtude a coerencia, ou seja, a determinaçao de nao ter uma vida com duplicidade, pensando uma coisa e fazendo outra. Claro que, para indicar modestia, o auto-elogio vem acompanhado da frase “mas sou alguem cheio de defeitos; por exemplo, sou muito perfeccionista”. O “perfeccionista” parece ser o defeito predileto dos que se consideram sem defeitos; é dificil que alguem se declare dissimulado, fingido ou incongruente e, por isso, o “querer tudo certinho” é a grande e positiva distinçao entre os mortais que padecem de alguma debilidade de caráter.
Dizem esses que, como a vida é uma só, melhor aproveita-la com integridade e coragem, aproximando-se, conscientemente ou nao, das idéias do filósofo Marco Aurélio quando este escreveu: “da vida humana, a duraçao é um ponto; a substancia, fluida; a sensaçao, apagada; a composiçao de todo o corpo, putrescível; a alma, inquieta; a sorte, imprevisivel; a fama, incerta”.
Ora, Marco Aurélio é um dos representantes, embora menor, da doutrina denominadora estoicismo, cujo nome vem da palavra grega stoá (pórtico), por se acreditar que foi ao lado de um deles que Zenao fundou tal escola de pensamento no século 4 a.C.; no ideário estóico a suprema virtude é viver de acordo com a natureza, ou seja, suportar a vida como ela é. Nessa direçao, a felicidade seria resultante de se aceitar, pacificamente, a propria existencia na condiçao em que ela está, libertando-se de paixoes e cercando-se de calmo desprendimento e resignaçao coerente.
No entanto, o mesmo Marco Aurélio era imperador romano e viveu uma forte contradiçao que pertubou sua mente até a morte; propugnava e assumia intelectualmente o ideal de uma vida pacífica, mas foi um dos mais beligerantes e agressivos governantes do século II do mundo latino. Enquanto enveredava pela reflexao erudita, produzindo seus escritos reunidos sob o título de Pensamentos e neles registrando uma concepçao humanitária, conduziu com todo o vigor a perseguiçao aos cristaos e submeteu (transformando em colonos ou soldados) milhares e milhares de pessoas pertencentes aos chamados “povos bárbaros”.
Mesmo assim, lá nos Pensamentos definiu: “É próprio do ser humano amar até os que o ofendam. Chegamos a isso quando pensamos em que os homens sao o nosso próprio próximo; em que é pela ignorancia e malgrado seu que pecam; e em que logo morreremos, uns e outros; antes de tudo que nao nos fizeram mal”.
Cinismo? Nao! Auto-engano? Provavelmente, pois o desequilíbrio entre o proclamado e o vivido fez com que ficasse constantemente atormentado pelo “demonio do escrúpulo”. Essa apropriada expressao foi cunhada pelo renomado historiador frances Ernest Renan no século 19 exatamente para explicar as angústias do romano, a quem admirava bastante, a ponto de ter concluído sua monumental História das origens do cristianismo intitulando o sétimo e último volume como “Marco Aurélio e o fim do mundo antigo”. Neste estudo, Renan afirma que Pensamentos, a obra meditativa do perseguidor, era “o livro mais puramente humano que há (...) verdadeiro Evangelho eterno”. Por ironia, o mesmo demonio acuava o admirador, pois, aos 22 anos, sacerdote que era, abandonou a atividade eclesiástica ao entrar em crise por nao suportar o confronto entre as imposiçoes vindas da religiosidade com os ditames da racionalidade; entretanto, continuou um místico com obsessivas e recorrentes hesitaçoes na fé parcial.
Para nosso espanto, o termo escrúpulo, no sentido de obstáculo de consciencia, tem origem quase drummondiana, dado que “scrupulum” em latim significa pedrinha ou pedregulho, sendo um diminutivo de “scropum” (rochedo). Como sempre, quando emerge um abalo da necessária sintonia entre o dito e o feito, “tinha uma pedra no meio do caminho”...
Cautela! Esse demonio continua solto e pode começar a assombrar a alguns distraídos perfeccionistas.
(Mario Sergio Cortella - NAO ESPERE PELO EPITÁFIO)

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